05/03/2008

Corredor

Entrou em casa meio anestesiada de tanta solidariedade, beijo, lágrima, flor, tudo-o-que-precisares.

Era agora. Estava prestes a acontecer o momento que toda a gente vaticinara, como sendo o mais difícil.

Tremiam-lhe muito as pernas e antes de fechar a porta atrás de si, sorriu da ironia da frase que tanto ouvira nos últimos dias: "como é possível debaixo dessa aparente fragilidade estar um ser tão forte?"
É que naqueles minutos terríveis, o ser tão forte passou a verbo e o verbo ficou no passado. Ela entrava pela primeira vez, na casa onde com ele fora feliz (tão feliz!) e sentia frio e medo. E sabia que ao percorrer aquele corredor estaria a fazer a primeira de muitas viagens pela sua solidão.
O primeiro de muitos encontros com as suas memórias.
A primeira das muitas constatações de silêncio.
E que ao fechar aquela porta, o soalho iria ranger como acontecia todos os dias mas que esse barulho da sua rotina, seria o primeiro a marcar as muitas despedidas dessa mesma rotina, que teria de fazer.

Por isso,
fechou a porta devagarinho.

E antes de se levantar e arrastar os pés pelo corredor e pelos cantos da vida (ocorreu- lhe subitamente o verdadeiro significado da palavra corredor: local onde a dor corre. Só podia ser. Só agora percebera) deixou escorregar as costas pela porta já fechada, abraçou as pernas, enfiou a cabeça entre os joelhos e chorou. Chorou muito e alto, a perda, a fragilidade, a dor, a vida, a morte, a imensa saudade, o amor.

Depois, levantou-se e caminhou.
A dor já corria mais devagar.
O corredor absorvera as lágrimas, e as lágrimas absorveram-na.
Caíu na cama vestida, olhou uma última vez para o despertador - o alarme estava marcado para a hora em que ele sempre acordava (ocorreu-lhe subitamente o verdadeiro significado da palavra despertador: aquele que desperta a dor. Só agora percebera. Só podia ser.) - e adormeceu.

Amanhã teria de abrir as janelas da casa.

Rita Ferro Rodrigues

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