11/09/2007

O que de mais bonito escreveram ao meu Pai

Dizia o António Lobo Antunes que as pessoas só morrem quando deixamos de falar delas. E hoje em particular apetece-me relembrar o que o Manel escreveu ao meu Pai quando soube da sua morte.

"Do Manel para o Manel

Caro Manuel Carvalho:
Quero dizer-lhe que foi muito indecente da sua parte abandonar-nos sem nós estarmos preparados para isso. Foi muito chato e estamos todos desolados. Ainda para mais, partiu sem nos dar a hipótese de lhe dizermos o quanto gostamos muito de si, o quanto nos faz falta. É! Lembramo-nos do nunca dissemos quando já não o podemos dizer.

Eu sei Manel que é a vida e cada um tem a sua hora, dizem. Mas era necessário ter sido ontem? Não podíamos ter adiado esta sua partida durante cerca de 40 ou 50 anos? Partiu de forma súbita e fez sofrer toda a gente. Sabe Manuel? Deixou muita gente a chorar de uma dor que parece não ter fim! Isso não se faz, Manel. Isso não se faz.

Se bem o conheço, a esta hora deve estar a teimar com São Pedro que as melhores chaves são feitas em Coimbra num estabelecimento de um amigo seu. As tertúlias e as discussões no Céu serão intensas e bem-humoradas, e mais uma vez, aproveitará para contar a história da viagem que fez ao Brasil com a equipa da Académica enquanto era dirigente associativo. Tudo acompanhado por um delicioso néctar dos Deuses só para nos fazer inveja. É! Ontem ficamos a perder e quem ganhou foram os de lá de cima, mas um dia vingar-nos-emos e invadiremos o Paraíso, um a um para não dar nas vistas, só para estarmos de novo consigo. Já agora, meta lá uma cunha para a malta.

Amanhã vou estar de um lado do Estádio a ver a nossa equipa, e sabe uma coisa? Vou sentir um imenso vazio do outro lado desse mesmo Estádio, por mais compostas que estejam as bancadas. Era a primeira coisa que eu dizia ao Scarface mal nos sentávamos na bancada: “Vamos lá tirar uma fotografia ao Manel antes que caia a noite”. E nessa mesma noite publicávamos a foto com o comentário “tradicional foto do Dr. Manuel Carvalho”.

Pois é Manel. Estamos a sentir muito a sua falta. Sabe uma coisa? Tenho já comigo os drivers para o scanner que me tinha pedido às 18.30h deste Sábado fatídico. Ficou de me telefonar amanhã para eu lhe entregar o software no Piolho. Sei que não vai telefonar embora o seu afastamento seja um facto que ainda me custa a acreditar.

Quando parte um amigo, parte também algo de nós. Mas o Manel não partiu porque ficará nas nossas memórias. Agora que já não podemos contar com eloquente poder do contraditório que o caracterizava, quero-lhe dizer uma coisa: aqueles camarões fritos que uma vez cozinhou no café Piolho num dia em que eu fiz anos estavam muito picantes, bons mas muito picantes. Foi uma noite memorável entre tantas outras em que foi participante. Um verdadeiro companheiro.

Sei também que ficará por concretizar aquele seu convite para um dia irmos conhecer a sua casa em Poiares, até lá tínhamos programado um jantar do blog, lembra-se? Era nosso leitor assíduo e foi dos poucos que esteve naquele jantar no restaurante Encosta do Sol. Foi um momento de glória.

Manuel Carvalho: O Manuel era dos nossos e era nosso. Todos nós convivemos consigo de forma, intensidade e maneira diferente, mas deixou em cada um, um Amigo. Todos nós o vamos recordar de forma diferente, ou talvez não.

Atrevo-me a dirigir-lhe a palavra e esta missiva porque alguém que o Ama muito me sugeriu. A minha vontade era calar a dor.

Pois é, ficou tanta coisa por dizer e por fazer meu caro Amigo.

Até qualquer dia Manel
Manuel da Gaita

Postado por Manuel da Gaita in www.opiolhodasolum.blogspot.com"

1 comentário:

Aleisa disse...

Eu li este post um sem numero de vezes, quando na altura ele foi publicado no piolho... E hoje como em todas as vezes que o li as lagrimas cairam-me em cascata face a baixo, acompanhadas de pele de galinha, porque é sempre assim que fico quando relembro a tua dor...

Gosto de Ti e doi tanto saber da tua dor.