08/07/2007

Aquilo que fomos e que poderiamos ter sido

Todos temos no fundo a mesma tendência, ou seja, de nos revermos nas diferentes etapas da nossa vida como o resultado e o compêndio daquilo que nos aconteceu, daquilo em que tivemos êxito e daquilo que realizámos, como se fosse apenas isso o que conforma a nossa existência. E esquecemos quase sempre que as pessoas não são apenas isso: cada trajectória compõe-se também das nossas perdas e dos nossos desperdícios, das nossas omissões e dos nossos desejos não cumpridos, daquilo que uma vez deixámos de lado ou não escolhemos ou não alcançámos, das numerosas possibilidades que maioritariamente não chegaram a realizar-se - todas menos uma, afinal -, das nossas hesitações e dos nossos sonhos, dos projectos frustrados e dos desejos falsos ou débeis, dos medos que nos paralisaram, daquilo que abandonámos ou que nos abandonou a nós. Como pessoas talvez consistamos, em suma, no que somos e no que não fomos, tanto no comprovável, quantificável e registável como no mais incerto, indeciso e difuso, talvez sejamos feitos em igual medida daquilo que fomos e do que poderiamos ter sido.

Javier Marías, in Literatura e Fantasma


roubado em: www.palavrasdesabao.blogspot.com

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