14/03/2007

Reflexões à volta do Futebol e do País

A propósito do Programa Prós e Contras da RTP dedicado à verdade no futebol ocorreu-me ensaiar algumas reflexões.
Prima facie, o regresso do Zombie Octávio Machado.
Zombie porque é um morto vivo do nosso futebol.
O inenarrável palmelão (uma pitada de futebolês cai sempre bem) assumiu-se como a principal figura do serão televisivo.
Octávio é um vingador justiceiro.
Denuncia os podres do nosso futebol como se nunca tivesse sido actor, ainda que secundário, de muitas encenações do pátrio futebol luso.
Octávio assemelha-se a um daqueles políticos do nosso burgo que vocifera contra os partidos e os outros políticos como se não fosse um deles.
Também Octávio procura dar de si a imagem de impoluto, de reserva moral da nação (desportiva neste particular), enfim, de alguém que está para lá do sistema podre e corrupto.
Talvez lhe falte o polimento dentário ou o conveniente pullover de marca que garante o traço da pseudo diferença e da ligação ao proletariado.
Octávio é mais um Arnaldo de Matos – um educador da classe desportiva (o outro era da classe operária).
O que lhe falta em verve, compensa em arreganho.
Não há quem corte a raiz ao pensamento desassombrado e descomprometido do Octávio.
Disparou em todas as direcções.
Limpou a alma, tão arredado que tem andado dos areópagos televisivos.
Falou muito, mas disse pouco. Aliás, ao seu jeito habitual.
Quem não conhecesse Octávio e o escutasse no serão de segunda-feira, certamente, que diria estar na presença do regenerador do futebol português.
Lamento, mas não.
Tal como aqueles políticos de que falava, Octávio tudo questionou e tudo solucionou quando não desempenhou funções que lhe permitissem exercer o poder ou, pelo menos, influenciá-lo.
Quando se guindou a posições de relevância, que lhe permitiam alterar o curso da história ou, como disse, pelo menos, influenciar as mudanças que o possibilitariam, Octávio foi apenas mais um.
Mais um que procurou beneficiar do sistema.
Mais um que tudo fez para perpetuar o sistema naquilo que o favorecia.
Olvidou a justiça e a equidade no tratamento de grandes e pequenos.
Olvidou a moral que apregoava.
Octávio não é mais do que uma fotocópia mal tirada daqueles políticos que vos falava.
Também estes, quando chamados a exercer cargos de poder, esqueceram tudo quanto antes haviam propagandeado e assumiram-se como siameses dos que antes haviam criticado.
Reformas zero, inovação zero, comportamento ético diferenciado zero.
Tudo fizeram para perpetuar o sistema naquilo que os favorecia.
Por isso, tal como aqueles políticos, Octávio não oferece qualquer credibilidade.
Todavia, a intervenção de Octávio se não teve outra virtualidade, pelo menos permitiu denunciar a fraude que é Rui Santos.
A ele, neste particular, o meu tributo.
Depois, arribou outra personagem, no mínimo, singular - António Marinho.
Marinho é uma daquelas figuras tão comuns na sociedade portuguesa, que por ter alcançado relevância pública num dado domínio, os media acham habilitado a reflectir sobre tudo e nada.
Um pouco à imagem de Boaventura Sousa Santos, Marinho é capaz de discorrer sobre qualquer assunto pela simples razão de que diz sempre a mesma coisa.
O conteúdo é sempre igual, a roupagem é que é diferente.
Marinho assumiu que o futebol vive da paixão, da alienação das massas, que tudo aceitam em nome da vitória, desiderato único e supremo.
Concluiu dizendo que, perante a insanidade que cega as mentes dos adeptos de futebol, nunca haverá verdade desportiva, porque ninguém a quer verdadeiramente.
Face ao status quo vigente, Marinho tem razão!
Este é o retrato do nosso futebol.
Quem clama por verdade é quem, circunstancialmente, não beneficia da “mentira”.
Poucos serão os que genuinamente e por formação reclamam verdade.
Os arautos da verdade no futebol português são-no sempre por infortúnio.
Pelo infortúnio de não conseguirem influenciar o poder em seu proveito.
Todavia, se esta é a realidade, o pior será conformar-se com ela.
Marinho preconiza o imobilismo, a resignação perante a impossibilidade.
O impossível só se assume como tal perante a resignação.
Marinho explica a impossibilidade de mudança ancorando-se nas razões que a perpetuam.
Todos estamos de acordo que esta não é a ordem de valores que queremos para a comunidade em que nos inserimos, pois que o futebol não é mais do que o espelho de uma sociedade cada vez mais desprovida de valorações éticas e axiológicas.
Que atitude tomar?
Certamente que não a ensaiada por António Marinho.
Será a mais fácil – isto não se muda, portanto o melhor é estar quietinho e tentar reverter o sistema a meu favor.
Esta tem sido a perspectiva reinante no futebol português
Mas, é contra ela que nos devemos insurgir.
Como disse Ribeiro Teles naquele programa “qualquer organização tem as suas vulnerabilidades”.
O paradigma de mudança no futebol português tem assentado sempre numa perspectiva organizativa.
Primeiro, criou-se a Liga para retirar poder às Associações, o maior dos cancros do futebol.
Panaceia para todos os males, a Liga cedo desiludiu quem a viu como o “Dr. Sousa Martins” do futebol.
Finda a ilusão da Liga, surge, agora, a da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, a qual impõe o fim da autonomia da Liga e o regresso aos ditames da Federação.
Ou seja, um regresso ao passado antes tão criticado e tão identificado como a raiz de todos os males.
Nada mudou!
E, porquê?
Pela singela razão enunciada pelo Ribeiro Teles e por uma outra que me permito acrescentar - Mudaram as moscas, mas a merda foi sempre a mesma!
A mudança nunca se alcançará se centrada, em exclusivo, na vertente organizacional.
A mudança implica, acima de tudo, uma revolução nas mentalidades.
Afinal de contas, aquilo que o País precisa.
Aliás, se virmos bem, o que descrevi assenta que nem uma luva naquilo que tem sido a vida política nacional e a acção dos sucessivos governos.
Uma revolução e não uma reforma, pois que será necessário encetar um corte profundo e definitivo com o passado.
Como diria António Fiúza, Doía a quem doer!